segunda, 13 de outubro de 2025
JULGAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO
JULGAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO
Número do Processo: 718/2025
Modalidade: Concorrência nº 004/2025
Objeto: Registro de Preços para eventual e futura contratação de empresa para execução de obra comum de construção de 10 abrigos de ponto de ônibus e apoio de comunicação, localizado no Município de Cristalândia – TO, de acordo com projetos, memorial descritivo, orçamento, cronograma físico-financeiro e termo de referência.
1.DO RELATÓRIO.
Cuida-se de recurso administrativo interposto por WB ENGENHARIA LTDA, inscrita no CNPJ nº 54.089.170/0001-13, em face da decisão proferida na Concorrência nº 004/2025, que resultou em sua inabilitação na fase de habilitação técnica, com fundamento na ausência de atendimento aos itens 12.8, alíneas “b” e “c” do edital.
Conforme se extrai da Ata de Abertura da Sessão de 02/10/2025, a Comissão de Contratação, respaldada em parecer técnico emitido pelo setor de engenharia, deliberou pela inabilitação das empresas WB Engenharia LTDA, DF Serralheria e Construções LTDA, MK Engenharia LTDA e Lustosa Serviços LTDA, habilitando apenas a BF Construtora e Incorporadora LTDA.
A empresa Recorrente alega, em síntese:
a) que o parecer técnico é nulo, por não estar em papel timbrado e não demonstrar vínculo do engenheiro responsável com a Prefeitura de Cristalândia;
b) que o edital exige atestados de obras semelhantes, e não idênticas, sendo, portanto, incorreta a exigência de acervo técnico “compatível” em sentido estrito e que não há quantidade mínima de serviços no edital, podendo o acervo comprovar qualquer dimensão de execução;
c) e, por fim, que a empresa BF Construtora e Incorporadora Ltda teria apresentado documentos inautênticos ou inconsistentes, requerendo sua inabilitação.
Ao final, a empresa pleiteou pela reconsideração da decisão de inabilitação e consequente habilitação de sua proposta e a inabilitação da empresa BF Locações e Empreendimentos LTDA, por suposta ausência de comprovação de autenticidade de documentos.
Eis o essencial a relatar.
2 . DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL.
O recurso atende aos requisitos do art. 165, inciso I, da Lei nº 14.133/2021, sendo tempestivo, legítimo e dotado de interesse processual. Dessa forma, conhece-se o recurso, passando-se à análise de mérito.
3. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
A licitação é um procedimento administrativo vinculado e formal, destinado a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa à Administração e a igualdade de condições entre os licitantes, sendo regido pelos princípios previstos no art. 5º da Lei nº 14.133/2021, que consagra, entre outros, a legalidade, a isonomia, a vinculação ao instrumento convocatório e o julgamento objetivo:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Nessa ambiência, o edital consubstancia a “lei interna” do certame: vincula a Administração e os licitantes, de modo que as regras nele fixadas devem ser rigorosamente observadas ao longo de todas as fases do procedimento.
Para Hely Lopes Meirelles , a vinculação ao edital é princípio basilar das licitações, impedindo a Administração de admitir propostas ou documentos em desconformidade com o instrumento convocatório:
“(..) a vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula os seus termos tanto os licitantes Administração que o expediu. como a Assim, estabelecidas as regras do certame, tornam-se inalteráveis para aquela licitação, durante todo o procedimento. Se no decorrer da licitação a Administração verificar a sua inviabilidade, deverá invalidá-la e reabri-la em novos moldes, mas enquanto vigente o edital ou o convite, não poderá desviar-se de suas prescrições, quer quanto à tramitação, quer quanto ao julgamento.”
Celso Antônio Bandeira de Mello igualmente assenta que a vinculação ao edital decorre do próprio princípio da legalidade: qualquer afastamento das disposições editalícias compromete a validade do certame:
“O princípio da vinculação ao instrumento convocatório é corolário do princípio da legalidade. O edital é a norma que rege o certame, e qualquer desvio de suas disposições compromete a validade da licitação.”
No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ afirma a legitimidade da inabilitação/desclassificação quando constatado descumprimento de formalidade expressa prevista no edital, por traduzir violação aos princípios da vinculação e da isonomia entre os licitantes:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ART. 3º, I, II, 5º, E 6º, I, DA LEI 12.527/2011. INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA NÃO DEMONOSTRADA. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. ENVIO DE DOCUMENTAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DA FORMA PREVISTA NO EDITAL. AUSÊNCIA DE ABUSO DE DIREITO.
(...) 5 O acórdão recorrido decidiu em conformidade com a jurisprudência do STJ acerca da vinculação ao instrumento convocatório. Como a parte ora recorrente descumpriu formalidades editalícias, violando o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, legal sua exclusão do certame sob pena de ofensa ao princípio da isonomia em relação aos demais participantes. (...)
(REsp n. 2.083.396/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 18/12/2023.)
À luz desses parâmetros, passa-se ao exame dos fundamentos recursais à vista das exigências do instrumento convocatório e dos elementos constantes dos autos.
3.1. Da alegação de nulidade do parecer técnico.
A Recorrente sustenta que o parecer técnico utilizado pela Comissão de Contratação seria nulo por não estar em papel timbrado e por não comprovar vínculo formal do engenheiro signatário com o Município de Cristalândia. Todavia, referida alegação não encontra amparo fático nem jurídico.
O parecer técnico de engenharia constante dos autos foi regularmente emitido no âmbito da Concorrência nº 004/2025, pelo Setor de Engenharia da Prefeitura Municipal de Cristalândia/TO, no exercício de sua competência institucional. O documento identifica de forma expressa o objeto licitado, a modalidade, o número do processo administrativo e as exigências de habilitação técnica, o que comprova sua inequívoca vinculação ao certame e à estrutura administrativa responsável pela análise.
A ausência de papel timbrado, por si só, não compromete a validade do ato, haja vista que o princípio da instrumentalidade das formas preconiza que a finalidade do ato administrativo prevalece sobre a forma, desde que atingido seu objetivo.
A validade jurídica do parecer decorre, portanto, do seu conteúdo técnico, da competência da unidade emissora e da autenticidade da assinatura do engenheiro responsável, devidamente identificada nos autos, circunstâncias que garantem a fidedignidade e a rastreabilidade do documento.
Ademais, a Lei nº 14.133/2021, em seu art. 8º, §4º, expressamente autoriza que o agente de contratação seja assessorado por equipe técnica ou profissional especializado, especialmente nas análises que demandem conhecimento específico, como ocorre em licitações de obras e serviços de engenharia:
Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
(...)
§ 4º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação.
Na prática, a mencionada medida é corriqueira e necessária para conferir segurança técnica às decisões administrativas, sobretudo em certames que envolvem a verificação de atestados de capacidade técnica e Certidões de Acervo Técnico (CAT), cuja análise requer habilitação profissional específica e domínio das normas do CONFEA/CREA.
Cumpre destacar que o parecer técnico não constitui decisão autônoma, mas instrumento de assessoramento técnico à Comissão de Contratação, que deliberou de forma colegiada, fundamentando a inabilitação da empresa WB Engenharia LTDA. no descumprimento dos itens 12.8, alíneas “b” e “c”, do edital, os quais exigiam a comprovação da capacidade técnico-profissional mediante CAT em nome do engenheiro responsável e da capacidade técnico-operacional da empresa por meio de atestados de obras de características semelhantes.
A decisão encontra-se devidamente registrada na Ata de Sessão de 02/10/2025, que evidencia a análise criteriosa da documentação apresentada e a observância dos princípios da vinculação ao edital e da isonomia entre os licitantes.
Por fim, verifica-se que o processo licitatório foi conduzido com respaldo em um planejamento técnico prévio, conforme demonstram o Estudo Técnico Preliminar e o Documento de Formalização da Demanda, os quais atestam a atuação contínua do setor de engenharia municipal desde a fase interna da contratação. Isso evidencia que o procedimento seguiu integralmente o fluxo previsto na Lei nº 14.133/2021, observando o planejamento, a necessidade pública e a motivação técnica do ato administrativo.
Diante de todo o exposto, não há qualquer irregularidade formal ou material capaz de macular o parecer técnico ou o julgamento da Comissão de Contratação. Assim, a alegação de nulidade deve ser integralmente rejeitada, devendo ser mantida a validade do documento técnico e a decisão de inabilitação da empresa recorrente, em estrita observância aos princípios da legalidade, vinculação ao edital, julgamento objetivo e motivação.
3.2. Da exigência de comprovação técnica (itens 12.8, b e c).
O edital, em seu item 12.8, estabeleceu de forma clara os requisitos de habilitação técnica para participação no certame, dentre eles:
“b) Comprovação da capacitação técnico-profissional, mediante apresentação de Certidão de Acervo Técnico - CAT, expedida pelo CREA ou CAU, nos termos da legislação aplicável, em nome do(s) responsável(is) técnico(s) sendo: ENGENHEIRO CIVIL, cujo membros da equipe técnica que participarão da obra.
c) Comprovação de que a empresa proponente seja detentora de ATESTADO(S) de Capacidade Técnica mediante apresentação de Certidão de Acervo Técnico - CAT, expedida pelo CREA ou CAU, devendo comprovar execução de obra ou serviço de características semelhantes ao objeto da licitação.”
Tais exigências são compatíveis com o disposto no art. 67, inciso II, da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual a comprovação de capacidade técnico-operacional deve demonstrar experiência em serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior ao objeto licitado, o que garante a segurança técnica da execução contratual:
Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a:
(...)
II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;
No caso em exame, a inabilitação da WB Engenharia LTDA. decorreu do não atendimento a tais requisitos, uma vez que os documentos apresentados não comprovaram experiência em obras de características semelhantes à construção de abrigos de ponto de ônibus - estruturas metálicas padronizadas, com fundação em concreto, cobertura, assentos, conforme previsto no Termo de Referência e no Projeto Básico.
A recorrente limitou-se a apresentar Certidão de Acervo Técnico (CAT) relativa a edificações residenciais, sustentando que a utilização de estrutura metálica seria suficiente para caracterizar a similaridade técnica. Contudo, o conceito de serviços similares não se confunde com serviços genéricos ou de natureza diversa, exigindo compatibilidade quanto ao método construtivo, à finalidade da obra e à sua complexidade operacional.
Assim, não se pode equiparar a construção de abrigos públicos padronizados - que envolvem fundação, soldagem de estrutura metálica modular, pintura industrial e fixação de elementos de comunicação - à execução de telhados ou estruturas residenciais.
Logo, a análise técnica limitou-se a verificar a aderência dos documentos às exigências editalícias, sem qualquer juízo discricionário. O parecer técnico apenas aplicou objetivamente os critérios previamente fixados, concluindo pela ausência de comprovação de experiência compatível, em estrita observância aos princípios da vinculação ao edital, da isonomia e do julgamento objetivo (art. 5º, Lei nº 14.133/2021).
Importante frisar que a Administração não pode flexibilizar os requisitos técnicos após a abertura do certame, sob pena de violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório e de afronta à isonomia entre os licitantes. O edital é a “lei interna” da licitação, e somente mediante a apresentação de CAT e atestados compatíveis com o objeto seria possível reconhecer a habilitação técnica da recorrente.
Assim, a decisão de inabilitação foi corretamente fundamentada, pois a WB Engenharia não comprovou possuir experiência prévia em obras de características semelhantes às exigidas, limitando-se a apresentar documentação genérica e dissociada do objeto.
Dessa forma, não merece reforma a decisão da Comissão de Contratação, devendo ser mantido o julgamento de inabilitação, por estar em conformidade com o edital e com a legislação de regência, garantindo a segurança técnica e o interesse público.
3.3. Da alegação de irregularidade na habilitação da empresa BF Construtora e Incorporadora Ltda.
A Recorrente sustenta, de forma genérica, que a empresa BF Construtora e Incorporadora LTDA. teria apresentado documentos “sem possibilidade de comprovação de autenticidade”, mencionando, de modo impreciso, o cadastro municipal de Palmas e o cadastro estadual do Tocantins, e requerendo sua inabilitação. Entretanto, não especifica quais documentos estariam supostamente inautênticos, nem apresenta qualquer elemento probatório que sustente a referida alegação.
Conforme registrado na sessão de julgamento, a menção feita pela Recorrente parece se referir à exigência contida no item 12.3.7 do edital, que dispõe:
“12.3.7 Prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;”
De fato, verifica-se que os documentos apresentados pela empresa (Formulário de Informações Cadastrais Municipal – FIC e Boletim de Informações Cadastrais - BIC) não trazem campo visível para conferência de autenticidade eletrônica. Contudo, essa circunstância não configura irregularidade, uma vez que o edital não exigiu expressamente a apresentação de documentos dotados de verificador digital, mas apenas a comprovação formal da inscrição nos cadastros fiscais pertinentes.
De fato, observa-se que os documentos apresentados pela empresa — Formulário de Informações Cadastrais Municipal (FIC) e Boletim de Informações Cadastrais Estadual (BIC) — não possuem campo visível destinado à conferência eletrônica de autenticidade.
No caso do documento estadual, há apenas menção, no rodapé, de que foi emitido no sítio eletrônico da Secretaria da Fazenda do Tocantins, o que decorre da própria natureza do modelo disponibilizado pelo órgão fazendário.
Todavia, essa circunstância não configura irregularidade, uma vez que o edital não exigiu expressamente a apresentação de documentos com verificador digital, limitando-se a requerer a comprovação formal de inscrição nos cadastros fiscais pertinentes. Ademais, os referidos documentos são emitidos por órgãos fazendários oficiais - a Secretaria da Fazenda Estadual e a Prefeitura Municipal -, gozando, portanto, da presunção de veracidade e fé pública que ampara os atos administrativos.
Não há, assim, fundamento jurídico que permita desconstituir sua autenticidade sem prova concreta de falsidade material ou ideológica.
Cumpre destacar que o parecer técnico e a Ata de Sessão de 02/10/2025 registram que a empresa BF Construtora e Incorporadora LTDA. apresentou toda a documentação exigida nas alíneas “a” a “d” do item 12.8 do edital, inclusive Certidão de Acervo Técnico (CAT) e atestados de capacidade técnica compatíveis com o objeto licitado, razão pela qual foi devidamente habilitada.
Diante do exposto, rejeita-se a alegação de irregularidade ou inautenticidade quanto à documentação da BF Construtora e Incorporadora LTDA., mantendo-se íntegra sua habilitação, por ausência de qualquer vício formal ou material, e em respeito aos princípios da legalidade, vinculação ao edital e presunção de legitimidade dos atos administrativos.
4. CONCLUSÃO.
Ante o exposto, conheço do recurso administrativo interposto por WB Engenharia Ltda, por preencher os requisitos de admissibilidade, e no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo integralmente a decisão que:
a) Inabilitou a Recorrente por não comprovar a capacitação técnico-profissional e técnico-operacional exigidas nos itens 12.8, alíneas “b” e “c” do edital; e
b) Habilitou a empresa BF Construtora e Incorporadora Ltda, por atender plenamente às exigências editalícias.
Encaminhem-se os autos ao Gestor do Contrato ou Autoridade Superior para ratificação da presente decisão e adoção das medidas subsequentes à adjudicação e homologação, nos termos da Lei nº 14.133/2021.
Cristalândia, TO, 10 de outubro de 2025.
GISELMA DIAS SILVA MACIEL
AGENTE DE CONTRATAÇÃO/PREGOEIRA
Vistos etc.
Ratifico a decisão acima proferida pela comissão de contratação por intermédio de sua agente de contratação/pregoeira.
Expeça-se o necessário, observando o disposto da Lei n° 14.133/21.
Publique-se.
Cristalândia, TO, 10 de outubro de 2025.
WILSON JUNIOR CARVALHO DE OLIVEIRA
PREFEITO